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A modéstia II


Por D. Ildefonso Rodriguez Villar

1º. Interior

Em geral, a modéstia é a virtude que regula todos os atos externos, dando-lhe a devida compostura e decoro…, apresentando-se assim aos olhares do próximo, como qualquer coisa digna, nobre e formosa. Mas a modéstia exterior necessariamente há de proceder da interior, que consiste em moderar e dirigir os movimentos desordenados da alma segundo a divina vontade. A modéstia exterior pode-se fingir e será então um repugnante ato de hipocrisia… A modéstia interior é a única que pode dar vida à modéstia exterior. Não deves, portanto, procurar conseguir uma aparência de modéstia…, uma modéstia postiça e mentirosa, com porte e maneiras externas que pareçam muito modestas, deixando depois que o teu coração seja vítima das baixas inclinações da concupiscência.

Quando a verdadeira modéstia existe, é tal a união que se dá entre a exterior e a interior, que uma não anda sem a outra, as duas ajudam-se mutuamente, de sorte que a compostura exterior deve proceder sempre dum interior perfeitamente composto e ordenado… e a interior encontrará a sua melhor defesa e sustentáculo na exterior. São Francisco de Sales explica isto com a seguinte comparação: Como o fogo produz a cinza… e a cinza serve admiravelmente para manter e conservar o fogo…, assim sucede com estas duas modéstias, que a interior produz a exterior, e esta mantém e conserva a interior de onde brotou.

Esta modéstia interior, é de duas classes: uma que refreia os movimentos da concupiscência e os atos internos do entendimento…, da imaginação e da vontade, que nos levam ao pecado da impureza…, e a outra modéstia é a que modera os movimentos da alma, que têm relação com a soberba e pelas suas virtudes…, pela sua dignidade, podiam dar-se que não queremos ferir a sua modéstia… e outras vezes admiramos a modéstia de pessoas que pelos seus méritos…, pelas suas virtudes…, pela sua dignidade, podiam dar-se mais importância. Esta modéstia, como se vê, praticamente reduz-se ao exercício da verdadeira humildade; por isso a alma humilde há de ser necessariamente modesta interior e exteriormente.

Quanto a esta modéstia, é evidente que ninguém pôde jamais comparar-se com a Santíssima Virgem; ninguém houve com mais merecimentos, virtudes, santidade, dignidade e grandezas divinas… Quem foi, apesar disso, mais simples…, afável…, caritativa…, pobre e humilde do que Ela? E portanto, quem mais modesta quanto ao desprezo que fazia da importância da sua pessoa e da sua própria excelência?…

E quanto à modéstia oposta à concupiscência, onde encontrar uma ordem mais completa…, uma submissão mais perfeita de todos os seus pensamentos, sentimentos e afeições à regra da razão e desta à vontade de Deus?

2º. Exterior

Vejamos, porém, mais em concreto esta modéstia interior refletida em todos os atos exteriores do corpo e principalmente nos seguintes:

Nas palavras

Imagina como seriam as da Santíssima Virgem, que estava persuadida ser a última das escravas do Senhor…, palavras de edificação e de encantadora modéstia…, ao considerar, cheia de gozo, os imensos benefícios de que o Senhor a cumulara; a Ele dirige o seu agradecimento e os seus louvores… e admirar-se-á que o Todo Poderoso tenha posto os seus olhos na miséria da sua escrava… Estava simplesmente e firmemente persuadida da falta de merecimentos da sua parte e por isso quão longe estava em suas palavras, de atribuir a si coisa alguma! Aprende d’Ela esta modéstia no falar… tanto no tom da voz, não querendo impor-te com gritos, nem com palavras nervosas e excitadas…, como na simplicidade e caridade das tuas expressões.

À imitação de Maria, evita as palavras duras…, bruscas…, malsoantes. Vê como a linguagem da tua Mãe é tranquila, afável, discreta, humilde…, tornando-se simpática e atraente pela doçura de voz…, pela bondade…, pureza…, caridade e até alegria santa das suas palavras. Tem cuidado, em especial, com as disputas e altercações; ainda que tenhas razão, deves moderar o teu juízo próprio…, cedendo, sem ser pertinaz nem ter cabeça dura…; é melhor ceder e calar com modéstia, que sair triunfante com teimosia e soberba.

Não é comparável com a soberba a sã alegria que em anedotas, graças, passatempos e brincadeiras se pode manifestar… Mas, ah! como é fácil em tudo isto, passar os limites da correção e da modéstia!

3º. No vestido e na habitação

A pobreza da casa de Nazaré, própria duma operária, faz que nela tudo seja humilde e modesto em último grau… A simplicidade e modéstia do seu vestido, avalia pela extrema necessidade de Belém e verás como nem em casa de Maria, nem no enxoval e vestido, encontrarás coisa alguma que indique luxo…, afetação da sua pessoa…, comodidade de algum gênero.

Nas suas viagens não usará carruagens, nem mesmo as mais modestas de então… O Evangelho nada mais diz senão que foi, por exemplo, à Judeia, com grande pressa…, pois a estimulava a caridade… Eis toda a sua preparação e equipagem…: uma pobre trouxa de roupa e muito amor de caridade para com Deus e para com o próximo… Que exemplo de simplicidade e modéstia!… Não é modéstia a falta de asseio…, o desarranjo no vestuário…; ao contrário, pode haver modéstia em meio de uma sóbria elegância, contanto que esta seja conforme o teu estado…, a tua condição… e as circunstâncias que te rodeiam…; mas nunca será compatível com o luxo…, com a vaidade dos vestidos… e menos ainda com qualquer defeito por pequeno que seja em matéria de honestidade.

Tem muito cuidado neste último ponto e não esqueças, que na igreja e na rua…, em público e em particular, deves vestir sempre modestamente. É intolerável o permitir-se, ao estar em casa, modos de vestir impudicos ou pelo menos muito livre…; não há pretexto nem razão que possa autorizar isto… A modéstia deve acompanhar-te em todos os instantes da tua vida.

4º. Nas maneiras

Isto é, em todos os teus atos exteriores que realizas perante os outros… Modéstia no semblante e particularmente nos teus olhos, não só para evitar os olhares pecaminosos…, mas também para evitar a excessiva curiosidade de quem tudo quer ver e observar… Modéstia nas posições do andar…, ao sentar-te, não buscando precisamente a posição mais cômoda, senão a mais conveniente… Modéstia em todos os teus movimentos, evitando tudo o que seja leviandade e desenvoltura… e muitíssimo mais tudo o que não seja decoroso e digno.

Acostuma-te a esta modéstia, ainda estando só, para que assim naturalmente a pratiques diante dos outros. É muito conhecido o caso de S. Francisco de Sales, que observado quando se encontrava só no seu quarto, guardava os mais pequenos preceitos da compostura e da modéstia. Procedia sempre como se o vissem os Anjos do Céu e na presença de Deus.

Nota, de modo especial, tudo isto na Santíssima Virgem e verás o conjunto admirável de todos os seus atos executados com aquela naturalidade…, simplicidade…, franqueza… e ao mesmo tempo delicadeza…, honestidade… e circunspecção próprios da santa modéstia. Examina-te um pouco nesta matéria, e pergunta a ti mesma como guardas a modéstia interior do teu coração… e a exterior do teu corpo e de todas as tuas maneiras.

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D. Ildefonso Rodriguez VILLAR. Pontos de Meditação sobre as Virtudes de Nossa Senhora. Tradução revista pelo Padre Manuel Versos Figueiredo, S. J. (s. e.) Porto, 1946, p.138-142.


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